A cada minuto, três pessoas são diagnosticadas com dengue no Brasil. Apesar de chocante, a explosão do número de casos da doença nas últimas semanas não é novidade.
Desde a década de 80, quando a urbanização se intensificou no país, os brasileiros convivem com fases de avanço explosivo da doença. Nos últimos 10 anos, mais de 6 milhões de pessoas contraíram o vírus.
A expectativa é que, até o próximo ano, já esteja disponível no mercado uma vacina os quatro sorotipos de dengue. Mesmo assim, a erradicação da doença não deve vir tão cedo, segundo Amaury Dal Fabbro, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. “O Aedes aegypti se adaptou muito ao ambiente urbano”, afirmou em entrevista. 

Para o especialista, não há apenas um culpado para a atual conjuntura. Governo e população têm sua parcela de culpa na expansão da doença. Veja trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com por telefone. 

Quais as razões para o atual surto de dengue? 
Amaury dal Fabbro – O que está acontecendo não é uma novidade. Essa é uma epidemia que se alastra por ondas. Uma hora ela está mais forte em um lugar, outra hora, em outro. Isso acontece de acordo com a presença do vetor e de pessoas que ainda não tiveram aquele sorotipo. 

Quais as características do Brasil que favorecem tal recorrência de epidemias da doença? 
Por um lado, as temperaturas mais elevadas devido ao aquecimento global têm contribuído para aumentar a população de Aedes aegypti. Paralelamente a isso, temos um processo de urbanização caótico. O terceiro problema é a circulação de pessoas. Quanto mais gente com o vírus circula, maior a probabilidade de você ter contato com vetores. 

A crise da falta da água no estado de São Paulo ajuda a entender o cenário? 
Pode ser, mas tenho minhas dúvidas. O Aedes aegypti não precisa destes novos reservatórios de água para se proliferar. Mesmo sem crise, já existem recipientes com água suficientes para a proliferação. 

O mosquito Aedes aegypti está de fato mais resistente? 
Não. O Aedes aegypti é o mesmo. O que existe é uma dificuldade logística para controlar o bicho. Imagine quantos milhões de possibilidades existem para a proliferação do mosquito em uma cidade como São Paulo. Ainda que todos os mosquitos fossem mais suscetíveis a um determinado inseticida, como você chegaria até eles?

Os programas de controle têm um grau de ineficiência reconhecido. Não há condições de estar todo momento na casa das pessoas. Segundo, cerca de 30% dos imóveis que os agentes tentam visitar estão fechados. Só estes já justificam uma manutenção do Aedes. Terceiro, a dificuldade de acesso aos locais. Qualquer inseticida mata o mosquito, o problema é de logística. Para resolvê-lo, precisaria colocar o Exército nas ruas. 

Qual é a parcela de responsabilidade do governo?
Toda a sociedade tem culpa. As pessoas colocam culpa no governo e jogam lata de cerveja pela janela, que pode se tornar um criadouro de Aedes. Você tem uma coleta regular do lixo na cidade, mas atira o lixo pelo muro no terreno baldio. A gente tem que colocar na cabeça que este é um problema coletivo. 

Nos últimos dias, o Exército começou a ajudar na fiscalização de residências na cidade de São Paulo. Esta medida chega tarde? 
Você tem que ter um programa contínuo de controle de vetores, mas a dengue tem uma caraterística de epidemia explosiva, que acelera muito rápido. Quando chega nesta situação, é preciso mobilizar mais forças para dar conta do recado. É isso que ele está fazendo agora.

Na semana passada, o governo federal anunciou o repasse de 150 milhões de reais para os governos locais para lidar com o avanço da doença. Qual a maneira mais eficaz de usar este dinheiro?
Numa situação grave de dengue, você tem que cuidar dos infectados para que eles não tenham complicações. 

O que pode ser feito para impedir novos surtos no futuro?
Tem que fazer atividade educativa exaustiva, fiscalização de estabelecimentos, controle de terrenos baldios e inspeção das casas para você mostrar ao morador onde está o problema. 

É possível erradicar a dengue?
Não. Estamos chegando a uma situação hiperendêmica, em que a transmissão nunca mais voltará a zero. O único jeito da gente acabar com essa doença seria a vacina que deve sair no ano que vem. Mesmo assim, vai demorar muito. O Aedes aegypti se adaptou muito ao ambiente urbano e tem muita oportunidade de sobrevivência. É muito difícil acabar com ele e, portanto, com a dengue. O que precisamos fazer é tentar diminuir os vetores. 

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