Casos de bouba registrados em sítio arqueológico do Vietnã mostram que essa doença tropical já existe na humanidade há milhares de anos
Caso de papiloma provocado por bouba: o estudo mostra que a doença já convive com os humanos há milhares de anos. Crédito: Oriol Mitjà/Wikimedia |
Uma nova pesquisa de bioarqueologia mostrou como doenças infecciosas podem ter se espalhado há 4 mil anos, ao mesmo tempo que destacou os perigos de permitir que tais doenças se espalhem. As descobertas foram publicadas na revista “Bioarchaeology International”.
A bouba – causada pela mesma espécie de bactéria responsável pela sífilis (Treponema pallidum) – é uma doença infantil que causa lesões cutâneas altamente infecciosas. É transmitida através do toque de pessoa para pessoa e, em casos avançados, pode deixar os doentes com desfiguração óssea grave. Embora a doença seja facilmente curável em seus estágios iniciais, as deformações ósseas são irreversíveis.
A bouba foi erradicada de grande parte do mundo, mas ainda é prevalente no Pacífico Ocidental, afetando cerca de 30 mil pessoas. Uma tentativa global anterior de erradicar essa doença tropical falhou na década de 1950 e uma nova tentativa foi impedida pelo surto de covid-19, disse Melandri Vlok, aluna de doutorado do Departamento de Anatomia da Universidade de Otago (Nova Zelândia).
A pesquisa de Vlok usa a arqueologia para lançar luz sobre a propagação de doenças quando diferentes populações humanas interagem pela primeira vez. Seu interesse específico está no que ela chama de “zona de atrito”, onde os antigos agricultores se encontraram com os caçadores-coletores.
Suspeitas confirmadas
Em 2018, ela foi ao Vietnã para estudar restos de esqueletos do sítio arqueológico de Man Bac. Localizado na província de Ninh Bình, no norte do país, Man Bac foi escavado em 2005 e 2007 e continha um tesouro de informações para arqueólogos, graças ao seu papel durante a transição da coleta para a agricultura no Sudeste Asiático.
Agora alojados no Instituto de Arqueologia de Hanoi, esses restos foram bem estudados, mas não foram analisados em busca de evidências de bouba, disse Vlok.
Sua supervisora em Otago, a bioarqueóloga e professora Hallie Buckley, viu o que ela pensava ser bouba em uma fotografia de restos mortais de Man Bac. Buckley viajou com Vlok, e junto com uma equipe de especialistas do Vietnã, elas confirmaram suas suspeitas. Mais tarde, Vlok encontrou um segundo exemplo da doença.
Isso foi significativo, pois o local de Man Bac data de 4 mil anos atrás. Até agora, não havia nenhuma evidência forte de bouba na Ásia pré-histórica.
A pesquisa de Vlok sugere que a bouba foi introduzida em caçadores-coletores no território do atual Vietnã por uma população de agricultores que se mudou para o sul da China moderna. Esses caçadores-coletores descendiam dos primeiros povos da África e da Ásia, que também habitaram a Nova Guiné, as Ilhas Salomão e a Austrália.
Informações necessárias
Havia agricultores na China há pelo menos 9 mil anos, mas não foi até cerca de 4 mil anos atrás que a agricultura foi de fato introduzida no Sudeste Asiático. É possível que esse movimento de pessoas trouxesse doenças, inclusive bouba, ao mesmo tempo.
Segundo Vlok, é relevante saber há quanto tempo a doença existe na região, quando se trata de como tem sido difícil erradicá-la. “Isso é importante porque saber mais sobre essa doença e sua evolução muda a forma como entendemos a relação que as pessoas têm com ela”, afirmou. “Ajuda-nos a entender por que é tão difícil erradicá-la. Se está conosco há milhares de anos, provavelmente já se desenvolveu para se ajustar muito bem nos humanos.”
A pandemia de covid-19 deste ano chamou a atenção das pessoas para as doenças infecciosas e há lições a serem aprendidas com o passado, disse Vlok. “A arqueologia como essa é a única maneira de documentar há quanto tempo uma doença está conosco e se adaptando a nós. Com a covid-19, entendemos hoje como essa doença é fantástica em se adaptar aos humanos. E o Treponema está conosco há muito tempo mais longo.”
Ela acrescentou: “Então, isso nos mostra o que acontece quando não agimos com essas doenças. É uma lição do que as doenças infecciosas podem fazer a uma população se você permitir que elas se espalhem amplamente. Isso destaca a necessidade de intervenção, porque às vezes essas doenças são muito boas em se adaptar a nós, em se espalhar entre nós”.
Fonte: Revista planeta